quarta-feira, 18 de abril de 2012

Dança para crianças ou o jogo dos sete erros ???



Ainda vou fazer uma pesquisa com turmas infantis. Não na frente daqueles professores ávidos por respostas adestradas, mas naquelas horas que a criançada fala mesmo o que bem entende. Enquanto ensaiam ou depois de dançarem num evento. São apenas três perguntinhas:
1) Foi bom?
2) Queriam estar ali, dançando o que dançaram?
3) O que gostariam de fazer no palco?
Falo isso porque tenho acompanhado tantas apresentações de escolas, de projetos sociais, de oficinas e venho me interrogando, como educador, artista e espectador, sobre muitas questões. Talvez a maior delas seja a de se realmente o desejo de subir num palco para dançar é um desejo da criançada mesmo ou mais o nosso desejo como professores, pais, parentes, gestores. Não estou apagando o desejo legítimo que possa haver, nem quero generalizar, pois há quem seja cuidadoso em buscar perceber isso. Mas de maneira geral o que vejo são crianças constrangidas em resultados que promovem o mesmo riso dos vídeos engraçados que proliferam na internet e em programas de televisão nas tardes de domingo. Gostaria, portanto, mais do que desfazer tentativas, muitas vezes repletas de boas intenções, de problematizar posturas quase naturalizadas que podem estar reproduzindo distorções e impedindo de ampliar as possibilidades de trabalho de dança com o público infantil.
Então, para entrar no contexto, lembrei do jogo dos sete erros que eu adorava na infância. Mas na verdade aqui não pretendo colocar um “x” em cima do que pode estar errado, mas sim uma interrogação. Então, lá vai:
1 – O trabalho de sala de aula precisa necessariamente ter como fim e resultado o palco? Via de regra o que percebo é esse imperativo, impositivo. O trabalho de sala de aula parece não valer por si, só ganha valor se for apresentado no palco (seja ele o do teatro ou aquele improvisado no pátio ou ginásio da escola). O objetivo da aula é o de preparar o corpo da criança para uma experiência de dança ou para uma exposição pública? O que é objetivo e o que é uma possível conseqüência? Numa sociedade espetacular como a nossa, seja ao vivo ou midiaticamente, os apelos para a visibilidade é constante e intensa. Mas não é porque ela existe que deva ser uma regra, uma obrigação.
2 – No caso de ir para o palco não seria necessário um aprendizado para além de aprender a coreografia a ser apresentada? A experiência de estar em cena é uma experiência que exige tanto investimento de seu entendimento como o da coreografia a ser apresentada. Como então preparar gradualmente os alunos para esse espaço que tem um monte de gente sentada na frente te olhando, que, muitas vezes tem uma cortina fechada que vai se abrir e se fechar, que acendem luzes ofuscantes, que tem um lugar chamado camarim para gente se aprontar, que muitas vezes tem um tal de black-out que deixa tudo escuro (e não é raro ver a criançada prestes a abrir o berreiro na escuridão)? Enfim estar em cena exige uma preparação prévia e não apenas a transferência do que é feito em aula para o palco. E uma preparação capaz de dar essa dimensão para os alunos, de maneira que eles possam lidar com essa nova situação. O ideal seria talvez poder visitar o tal espaço cênico e ensaiar nele, o que a realidade muitas vezes impede que aconteça. Mas se vão enfrentar o palco, há de se buscar alternativas para essa tarefa.
3– Vale insistir em fazer parecer homogêneo o que não é? Difícil ter um grupo de prodígios e com as mesmas capacidades motoras, emocionais, cognitivas. Então por que uma insistência em uniformizar o que deve ser realizado, produzindo efeitos como o de colocar na fila de trás para se apresentarem os menos aptos a realizar a coreografia? Todo mundo tem que dançar o tempo todo? Todo mundo deve dançar a mesma coisa? As singularidades devem ser apagadas e não podem ser incorporadas à coreografia?
4 – O tempo de cena é o das crianças ou é o tempo da música? Cada faixa etária e mesmo dentro de cada faixa etária, cada turma de alunos tem condições e disposição para ir até certo ponto, contudo, por inúmeras vezes, percebo o uso de músicas que ultrapassam em muito o tempo que os alunos conseguem sustentar. E a coreografia se arrasta até o final da música seja de que jeito for. Mudar a música ou editá-la (tão fácil com a tecnologia de hoje) não pode ser uma alternativa mais eficiente do que ficar encontrando maneiras ineficazes de manter a dança até o final da música?
5 – Elementos cênicos atrapalham ou ajudam? Será que realmente alguém acha que para “mascarar” a dança, o uso de um acessório ou adereço pode salvar uma coreografia? Normalmente é um festival de chapéus que caem da cabeça, óculos que ficam presos em cintos ou suspensórios, bengalas e sombrinhas que são arremessadas em colegas de cena, asas que se desmancham. Não seria mais aconselhável primeiro dominar a dança criada, antes de pensar em incluir qualquer parafernália? Já não está de bom tamanho aprender uma coreografia e enfrentar o palco? De novo, uma ressalva, não sugiro aqui a extinção doas adereços, mas a avaliação de sua real necessidade e adequação.
6 – Simplicidade é sinônimo de falta de criatividade? É recorrente também uma certa ansiedade em fazer as crianças mostrarem que podem fazer coisas complicadas ou “ que nem gente grande”. Mais do que mostrar que é possível criar coisas jamais realizadas com aquelas crianças, deveria, quem sabe, se pensar no que é compatível, seja repetindo, seja permitindo que seqüências simples e fluidas possam ser realizadas.
7 – O palco não pode ser um play-ground dançante? Sim, parece que um surto de seriedade absurda acomete a apresentação das crianças. Raramente vi um espaço real para o tão repetido termo que ecoa em todo trabalho com o público infantil, o “lúdico”, aparecer em cena. Porque se já se conta com eventuais atrapalhações, por que não permitir que a apresentação tenha momentos das crianças se divertirem em cena, com espaço que elas dominam, às vezes, melhor que nós: o jogo. Isso não seria dança? Ou não seria uma dança digna de ser mostrada? Quando isso acontece é uma delícia, porque as crianças ao dançarem, saboreiam a apresentação como se estivessem no “recreio” e não cumprindo um enfadonho dever de casa.
Provavelmente não esteja falando uma grande novidade, pois outros educadores atentos devem ter apontado esses aspectos, mas frente a recorrências de situações dessas, achei que valia correr o risco de estar me repetindo. E, se aspectos como esses podem ser identificados não apenas na produção de dança para crianças (muitas dessas perguntas me faço frente à dança de jovens, de adultos e agora tão na moda, a dança da melhor idade), para o público infantil a exigência de ponderar sobre essas práticas é mais urgente e necessária. Enfim, o objetivo do texto não foi o de pensar em interditar as crianças de se apresentarem no palco, mas de se perguntar por que, para que e como, antes de repetir modelos e práticas que não satisfazem aos principais envolvidos e, talvez, nem mesmo a professores, nem pais e outras crianças na platéia (pensando apavoradas que um dia aquilo pode acontecer com elas).

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